2011/11/22

EU NÃO SOU EU

Começou assim: estava tomando banho, então estiquei o braço e encostei a mão esquerda na parede. Quando olhei para ela deu-me uma sensação de estranhamento. Que mão era aquela? Gorda, com dedos rechonchudos e curtos, o braço fino..., então olhei os pés inchados, as unhas roídas e pensei: esse corpo é meu? Mas rapidamente a sensação passou e logo esqueci, ou assim pensei. Mas não, a impressão continuou latente dentro de mim. Depois disso passei a não me reconhecer nos reflexos. Ora estranhava o cabelo, ora as orelhas, alguma coisa não estava certa em mim. Aquele sujeito refletido ali na minha frente não era totalmente eu... Lembro agora que sempre brinquei com meus amigos dizendo que eu era um gordo nervoso, por, na verdade, ser um magro aprisionado mundo corpo obeso. Todos riam menos eu. Hoje acho que tenho razão no que digo. Compro roupas de magro, que depois tenho que trocar, sapatos de número menor em que meus pés se recusam a entrar, trombo em paredes, em batentes de portas, esbarro em pessoas, tudo por causa dessa disfunção. Ando nas ruas de cabeça baixa, achando que as pessoas também não me reconhecem. Debalde, todos que passam por mim chamam-me pelo nome, elas vêem em mim um eu que eu mesmo desconheço. Como podem? Não percebem elas que eu não sou eu, que dentro desse corpo vive uma outra entidade? Outro indivíduo que acordou aqui dentro? Pensa que sou louco? Veja o meu reflexo nessa colher. Você acha que eu me vejo assim? Esses dentes, essa barba. Só reconheço nesse corpo os meus olhos, esses olhos são eu, o resto... o resto... À noite me seguro para não ir ao banheiro, temo minha reação. Ainda sonado, o que posso fazer se me assustar com o reflexo do estranho no espelho? Cada dia que passa mais me afasto de mim e dos amigos desse corpo. O que será de mim, o que será de mim no futuro?

- Hummm...

- É só isso que você tem a me dizer? Diante de toda essa angústia, você só diz hummmm?

- Vamos pedir mais um café então.

- Garçom, mais três cafés...

Um comentário:

Bárbara disse...

Processo de negação?
hahahhahahahaha.
O tempo passa e mudamos. Isto é fato. Fico a pensar se concordarei com o "meu corpo" daqui 20 ou 30anos.
Estamos ocupados com a correria do mundo e não percebemos as coisas sutis que vão acontecendo com a gente todos os dias!

Vejo minha mãe gritando com o espelho toda santa manhã!

ADOREI ROBERTO! Cada vez fico mais fã!