2011/09/15

DIVAGANDO


Estou na janela da cozinha aqui do escritório fumando e vendo a vida passar, e deparo com uma cena triste, um sujeito magro, barba por fazer, agarrado com uma trouxinha de cacarecos, sentado na passarela que cruza a linha de trens aqui no cais.
Fico matutando o que ele estaria pensando, estaria ali esperando a vida passar assim como eu?, estaria esperando a barca para o outro lado do canal?, estaria esperando o trem para jogar-se embaixo dele?

- Será? Sei lá...

Às vezes tenho vontade de sair correndo daqui e saltar para dentro de um navio qualquer desses que chegam por aqui, de passageiro ou carga, ser clandestino, sumir...
Ir para a África, me embrenhar nas matas (outra vez estou sendo vítima de minhas leituras de juventude, sonhando com uma África que não existe mais, no Tarzan, Jim das Selvas, Sir Richard Burton etc. É, realmente perdi muito tempo lendo...) e desaparecer.

- Fugir desse escritório... – suspiro soltando a fumaça.

Lá fora o sol brilha como que a me provocar, a me induzir à fuga. Enquanto escrevo outro navio passa. O sujeito agora está limpando as unhas com um canivete que tirou de sua trouxinha.
Até agora nada de trens, nem da catraia que faz a travessia.
Enquanto ele limpa as unhas encardidas fico namorando o mar. O cigarro está quase no fim, na mesa os papéis me esperam. Ouço o telefone tocar, suspiro e espero que não seja para mim. Dou uma tragada mais profunda, a fumaça deixa o mar mais etéreo, aumentando a sensação de sonho, devaneio, quase um delírio...
Outra tragada, menos minutos trabalhados.
Penso em tomar um café, mas não vale a pena, o café é ruim, e café ruim me desgosta de uma forma tão profunda que não consigo explicar, me deixa com a boca amarga e me azeda a alma, aumentando a vontade de sumir deste lugar.Acabou o cigarro, sobrou só a bituca que quase me queima o dedo, acabou meu tempo de fuga. Antes de voltar à minha sala olho outra vez o mar, os navios e o pobre coitado sentado na passarela.
Nada do trem ainda...

Um comentário:

Unknown disse...

Excelente!

Dá uma nostalgia, daquelas de repetidas rotinas à espera que passe o tempo.

Beijos

Mirze