2010/12/09

O PORTA-RETRATO DE CELESTE


Acabara de polir o porta-retrato de Celeste, e o colocara sobre a velha cômoda. Sentou-se na poltrona e ficou a contemplar a foto. Admirava-se da beleza jovial de Celeste, o sorriso, os cabelos, o vestido azul-claro, as mãos brancas, o colo levemente sardento...

Celeste imortalizada naquela foto.

As horas passavam lentamente e Lúcio continuava a olhar para o porta-retrato alheio a tudo mais.


- Celeste... - murmurava com um sorriso maroto e baboso.


Pensava sobre o milagre da fotografia, da capacidade, do poder de imortalizar o momento e as pessoas.


- Celeste tão linda Celeste. - resmungava baixinho para a foto.


A barba por fazer, os cabelos longos e desgrenhados, as roupas puídas, as costa curvadas, enfim um homem acabado e apaixonado por uma foto, um momento, um período passado de sua vida.

Tantos sonhos, tantos planos, projetos de vida, a certeza de envelhecerem juntos.

Lúcio e Celeste, Celeste e Lúcio.

Mas o tempo inclemente que devora os próprios filhos e os sonhos levou o melhor de Celeste...

Levou-lhe a juventude, o viço, a pele de pêssego, o sorriso, o brilho dos cabelos cor de ouro, a alegria, enfim levou de Lúcio a sua Celeste, que hoje vive em um porta-retrato de prata que ele pule todos os dias.


- Celeste...


Dos fundos da casa uma voz aguda e estridente chama seu nome:


- Lúcio seu vagabundo, cadê você, seu imprestável?


Lúcio enxuga uma lágrima amarga que corre pelas rugas de seu rosto magro e seco, e quase chorando olha para o porta-retrato de Celeste e se pergunta:


- Celeste o que tempo fez com você meu amor? – E com dificuldade levanta-se da poltrona para atender aos gritos de Celeste, a velha.


Um comentário:

Silvio Barreto de Almeida Castro disse...

Lúcio necessita de um intérprete para dialogar com o tedesco Alzheimer, o profano possuidor da mente de Celeste.